ESPECTRO
DA ESQUIZOFRENIA

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O espectro como nova forma de compreender e avaliar a esquizofrenia e outras perturbações com características psicóticas surgiu a partir de evidência que sugere que as diferenças entre a esquizofrenia e outras perturbações semelhantes (mas menos graves) ou até mesmo entre pessoas sem um quadro clínico são de natureza quantitativa e não qualitativa.

Ao invés de classificarmos as pessoas como ‘tendo’ ou ‘não tendo’ um sintoma, avaliamos a severidade desse sintoma ou característica.

Os sintomas da esquizofrenia não são característicos apenas da esquizofrenia, pois também existem noutras perturbações e até na população geral por vezes. Contudo, existem num grau menos severo ou de forma transitória, daí a ideia de espectro fazer sentido. Por exemplo, no caso da perturbação esquizofreniforme, a pessoa tem sintomas activos por um período de um mês, mas os sinais de distúrbio duram menos de 6 meses. Por outro lado, a perturbação de personalidade esquizotípica, apesar de não ser uma doença do foro das psicoses, é também muitas vezes colocada no espectro da esquizofrenia, ou seja, é vista como uma perturbação menos severa dentro do espectro. Para muitos autores, mesmo a doença bipolar e a esquizofrenia não são duas entidades qualitativamente diferentes, mas sim duas perturbações do mesmo espectro, sendo a esquizofrenia por norma mais incapacitante, sobretudo por estar associada a mais défices cognitivos. Por fim, é ainda de salientar que ligada a esta ideia de espectro ocorreu também a eliminação das diferentes subcategorias de esquizofrenia (por exemplo, paranóide, indiferenciada, catatónica, etc) na última edição do manual DSM. O facto de estas subcategorias muitas vezes se sobreporem revelou inútil a sua separação como entidades distintas. Em suma, a esquizofrenia e a experiência de psicose são assim vistas num contínuo.

E isto é absolutamente plausível tendo em conta a evidência que nos mostra que uma percentagem significativa da população geral experiência em determinado momento da vida sintomas psicóticos, como por exemplo alucinações e delírios.

A esquizofrenia é uma doença mental severa, neurobiológica, do campo das psicoses, que afeta cerca de 21 milhões de pessoas em todo o mundo (Charlson et al., 2018). O termo psicose refere-se à perda de contacto com a realidade, o que acontece com alguma frequência em pessoas com esta condição. Contudo, a experiência de psicose não é exclusiva das pessoas com esquizofrenia. Apesar de não ser uma doença muito prevalente (cerca de 1% ou menos dependendo dos estudos), a esquizofrenia é uma doença com profundos custos pessoais e que leva a um elevado número de anos vividos com incapacidade. Os custos económicos, não só devido à necessidade de serviços de saúde, mas também à perda de produtividade, são também uma consequência significativa da esquizofrenia. Os sintomas de esquizofrenia podem ser de dois tipos: positivos e negativos. Os sintomas positivos são características que se encontram em excesso nas pessoas com esquizofrenia e que grande parte da população geral não experiencia com frequência, como por exemplo delírios e alucinações. Por outro lado, os sintomas negativos referem-se à ausência de determinadas características que se encontram presentes na população geral.

Alguns exemplos de sintomas negativos são anedonia (incapacidade de sentir prazer), avolição (falta de motivação) e isolamento social.

O diagnóstico de esquizofrenia é feito com base nos critérios do Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais (DSM – 5, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) ou da Classificação Internacional das Doenças (ICD-11, International Classification of Diseases). De acordo com o Manual DSM-5, de forma a ser diagnosticada com esquizofrenia, uma pessoa tem que apresentar pelo menos dois dos seguintes sintomas: delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamento desorganizado ou sintomas negativos. Pelo menos um dos sintomas tem de ser delírios, alucinações ou discurso desorganizado. Estes sintomas têm que estar presentes durante pelo menos um mês e sinais de distúrbio têm que estar presentes durante pelo menos 6 meses. Estes sinais de distúrbio podem ser presença de sintomas negativos ou pelo menos dois dos sintomas positivos descritos acima, mas de forma mais atenuada. É de realçar também que uma disfunção a nível social e ocupacional deve estar presente por um período significativo de tempo. A esquizofrenia é uma doença multifactorial, ou seja, vários fatores em conjunto contribuem para o seu desenvolvimento. Em primeiro lugar, existem fatores genéticos. Contudo, embora a esquizofrenia seja uma doença com base genética com forte componente hereditária, não existe “o gene da esquizofrenia”. O risco genético é a soma de um grande número de alterações genéticas, mas cada uma delas com baixo impacto. Um estudo de 2014 identificou 128 alterações genéticas associadas à esquizofrenia. Foram identificadas associações com genes que codificam o receptor da dopamina D2 e também genes envolvidos na neurotransmissão de glutamato, o que está de acordo com as hipóteses patofisiológicas da esquizofrenia (Ripke et al., 2014). Por outro lado, fatores do meio ambiente, sobretudo situações causadoras de stress, podem interagir com a pré-disposição genética para causar o primeiro episódio de psicose (que pode ou não significar o início de esquizofrenia). Há um grande número de fatores psicossociais associados ao risco de desenvolver esquizofrenia (ainda que associação não signifique necessariamente causalidade).

Fatores que podem aumentar o risco de esquizofrenia incluem o consumo de canábis, viver em áreas urbanas, migração, e abuso sexual na infância.

A hipótese da dopamina é a mais documentada teoria da esquizofrenia. A interação de fatores genéticos com stress ambiental pode levar a uma desregulação na transmissão de dopamina. Evidência científica mostra que as pessoas com esquizofrenia têm um excesso de dopamina numa região do cérebro, chamada via mesolímbica. Um dado que corrobora esta teoria é o facto de as anfetaminas causarem um excesso de dopamina, sendo que as pessoas que consomem este tipo de droga desenvolvem muitas vezes sintomas psicóticos. Nos anos 50, percebeu-se quase acidentalmente que medicação que bloqueava os receptores de dopamina levava a uma diminuição dos sintomas positivos da esquizofrenia. E assim surgiu o primeiro antipsicótico chamado clorpromazina. Contudo, é importante salientar que a questão da dopamina é mais complexa do que aquilo que era sugerido inicialmente. Por exemplo, os chamados antipsicóticos da primeira geração diminuem a dopamina em várias áreas do cérebro, ou seja, naquelas em que realmente existe um excesso de dopamina, mas também noutras em que esse excesso não se verifica. O facto de diminuirmos a dopamina em várias áreas (mesmo aquelas onde não existe excesso) leva aos chamados efeitos secundários dos antipsicóticos. Muitos destes sintomas assemelham-se a sintomas de Parkinson (e aqui vale a pena lembrar que a redução de dopamina numa área do cérebro chamada substância negra está associada aos sintomas da doença de Parkinson). Hoje em dia, sabe-se que, embora a teoria da dopamina continue válida, existem outros neurotransmissores tal como o glutamato e a serotonina envolvidos na esquizofrenia. Esta hipótese é corroborada pelo facto de uma percentagem significativa de doentes com esquizofrenia que são tratados com bloqueadores de dopamina continuarem a apresentar sintomas positivos.

É fundamental que as pessoas saibam que as pessoas com esquizofrenia são pessoas como todas as outras. São pessoas com vulnerabilidades, mas também sonhos, aspirações e potencialidades.

E é assim que estas pessoas devem ser vistas - como seres humanos. É preciso haver um desprendimento do rótulo; é preciso ver a pessoa por detrás da doença. Contudo, não acho que o diagnóstico seja desnecessário. O diagnóstico é importante no sentido de planear um tratamento adequado e facilitar a comunicação entre os profissionais. No entanto, o diagnóstico/rótulo nunca pode ter mais peso que a pessoa. A identidade da pessoa não pode estar cingida ao diagnóstico. É muito importante que as pessoas evitem a culpabilização do doente. Por exemplo, não é adequado dizer que a pessoa só precisa de força de vontade para ultrapassar os seus sintomas. A esquizofrenia é uma doença complexa, que tem uma base biológica, e o controlo de sintomas não é simples. Existe muita emoção expressa (negativa) mesmo dentro das famílias. Se a pessoa com esquizofrenia passa muito tempo na cama é chamada de preguiçosa, por exemplo. Ou seja, atribui-se um traço de personalidade a algo que é muito frequentemente fruto dos sintomas da esquizofrenia, por exemplo avolição. É preciso haver informação, compreensão, e empatia ao lidar com pessoas com esquizofrenia. A evidência científica mostra que as emoções expressas (emoções negativas) são um fator de mau prognóstico na esquizofrenia, daí o trabalho com as famílias ser tão importante.

Ao contratar alguém que se encontra no espectro, é necessário criar um ambiente especial para essa pessoa, tal como criamos condições específicas para pessoas com incapacidades físicas.

Por exemplo rampas para pessoas que usam cadeiras de rodas, as pessoas com esquizofrenia também precisam de acomodações no trabalho, de forma a evitar situações de elevado stress e para que consigam desenvolver o seu potencial. Em termos profissionais, o apoio contínuo às pessoas com esquizofrenia é um elemento-chave no seu sucesso.

O estado da arte mostra-nos que a forma mais eficaz de reduzir o estigma é o contacto.

Como eu disse acima, as pessoas com esquizofrenia são pessoas com vulnerabilidades, mas também com enormes potencialidades. E só o contacto nos permite fazer esta aprendizagem. O contacto também permite desconstruir mitos, como as crenças em relação à criminalidade e violência das pessoas com esquizofrenia.

Há dois dados importantes a reter: - a maior parte das pessoas com esquizofrenia não são violentas; - a maior parte dos actos violentos na sociedade não têm qualquer ligação a pessoas com esquizofrenia.

Muitos programas de reabilitação são eficazes, uma vez que foram testados em inúmeros estudos científicos. Os programas de emprego apoiado baseados no modelo de apoio e colocação individuais (individual placement and support, IPS) ajudam as pessoas com esquizofrenia a obter um emprego no mercado normal de trabalho, assegurando que continuam a receber apoio por tempo indeterminado. O programa ‘Illness Management and Recovery’ é um programa de reabilitação que ajuda as pessoas a melhorarem as suas capacidades de auto-gestão da doença e facilita não só a recuperação clínica (melhoria a nível dos sintomas), mas também pessoal (construção de uma vida com significado e propósito com a possibilidade de desempenhar papéis sociais valorizados pela pessoa em recuperação). Uma vez que algumas pessoas com esquizofrenia também têm défices cognitivos, por exemplo, a nível da memória, atenção, funções executivas, a remediação cognitiva é um programa que pode ajudar a minimizar estas dificuldades, o que traz benefícios para a pessoa em termos de execução das suas actividades da vida diária, mas também em termos da reabilitação profissional.

Por fim, é importante que os meios de comunicação social passem informação fidedigna sobre esquizofrenia e evitem conteúdo e linguagem estigmatizante. Por exemplo, é mais adequado usar o termo “pessoa com esquizofrenia” do que “esquizofrénico” (a pessoa não é a sua doença).

Carina Teixeira, MSc, PhD
Senior Teaching Fellow in Neuroscience & Psychology

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Paula Amado,
Professora de Cerâmica
Hospital de Magalhães Lemos

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Luís,
Sala de Lavores
Hospital de Magalhães Lemos

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Madalena Amaral,
Monitora Sala de Lavores
Hospital de Magalhães Lemos

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Gracinda,
Sala de Reciclagem
Hospital de Magalhães Lemos

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Referências
Anderson, K. K. (2019). Towards a public health approach to psychotic disorders. The Lancet Public Health, 4(5), E212-E213. DOI: https://doi.org/10.1016/S2468-2667(19)30054-4

Charlson, F. J., Ferrari, A. J., Santomauro, D. F., Diminic, S., Stockings, E., Scott, J. G., McGrath, J. J., and Whiteford, H. A. (2018). Global Epidemiology and Burden of Schizophrenia: Findings From the Global Burden of Disease Study 2016. Schizophrenia Bulletin, 44(6), 1195-1203. DOI: https://doi.org/10.1093/schbul/sby058

Ripke, S., Neale, B. M., Corvin, A., Walters, J. T. R., Farh, K-H., Holmans, P. A., Lee, P., Bulik-Sullivan, B., Collier, D. A., Huang, H., Pers, T. H., Agartz, I., Agerbo, E., Albus, M., Alexander, M., Amin, F., Bacanu, S. A., Begemann, M., Belliveau, R. A., … O’Donovan, M. C. (2014). Biological insights from 108 schizophrenia-associated genetic loci. Nature, 511, 421–427. DOI: https://doi.org/10.1038/nature13595